Parte 1
Acho difícil começar a falar sobre como foi o nascimento da Serena sem falar de como foi gestar essa menina.
Desde o dia 1 Serena me colocou em conexão com meu lado feminino, com a minha intuição e com o meu sentir. E me nesse processo ia me ligando a outras mulheres.
Um dia do nada eu me toquei que tava estranha, não sei explicar como mas estranha. Olhei pra minha mãe e disse eu acho que eu to grávida. To muito esquisita. Mas eu falei assim da boca pra fora mesmo, sem refletir muito sobre aquilo. Depois o Vitor foi me achando estranha também, decidimos que íamos fazer um teste pra ver. Era quase meu aniversário, mas eu pedi que fizéssemos um combinado. Pensássemos sobre essa possibilidade, sobre estar grávida e que quando a gente fosse fazer estivéssemos prontos pro resultado. Eu não queria nem no momento 1 dizer e pensar coisas como: que merda, to grávida. Ou algo assim, era um presente pra mim mesma que eu já tinha planejado muito antes, logo depois do Davi. Se eu engravidasse de novo eu ia me dar o direito de aproveitar e de ficar feliz desde o primeiro momento.
E assim foi! Dois risquinhos, e disse: é isso to grávida!
E foi muito engraçado pq pras primeiras pessoas que eu contei eu precisei dizer : eu to muito feliz, eu queria. Inclusive quem tava bem bem perto de mim sabia que eu tava super atacada pra ter outro bebê.
Gestar a Serena foi até o último segundo uma cura muito gigante e intensa de tudo que tinha ficado da gravidez do Davi. No campo pratico eu fui mesmo fazendo tudo como eu achava que queria ter feito diferente, cuidei muito de mim, da minha saúde, fui ativa as 39 semanas de gestação. Amei meu corpo a cada semana, comemorei cada mudança, cada enjoo. Vivi intensamente as emoções de transformar um relacionamento (de namorados para casados) sem a pressa de resolver logo tudo, sem me cobrar uma regra imposta pelos outros. Teve muitos momentos que a minha única hora do dia com a Serena era no carro, eu colocava a nossa playlist e ia chorando da escola do Davi até o trabalho. Chorei todas as emoções que tinha, não economizei uma lágrima. Trabalhei muito a gestação toda, trabalhei duro de dentro pra fora.

Parte 2

Mas o tanto que eu trabalhei eu aproveitei! Nossa como eu comemorei cada passo, cada consulta, cada mexidinha. Tive um bebê mexilhão que era o meu sonho, gestei uma menina que era o meu sonho. Cada dia eu estava mais perto de mim, dela e do Davi. Como a nossa relação só melhorou na gestação. Ele sempre sendo meu maior parceiro da vida. Foi o menos ansioso pra chegada dela mas o que mais a aguardava.
Vimos juntos vídeos de bebê nascendo e ele sabia que podia demorar até mais que um dia inteiro pro bebê chegar. E ele não tinha certeza se queria estar junto. Eu não sei quando eu decidi, acredito que eu não precisei decidir, que eu iria me preparar para receber a Serena em casa. E demorei até achar uma equipe pra chamar de minha, mas quando rolou essa conexão eu tive a calma que eu precisava para passar pela gestação.
Esperar um bebê para nascer em casa é muito diferente do que eu imaginava. Olhando de fora pode parecer uma irresponsabilidade mas é o ato mais responsável e consciente. Porque é necessário pensar em tudo. Todas as possibilidades. E essas semanas foram importantes para que eu e o Vitor conversássemos sobre todas elas, o que faríamos, até onde estávamos seguros e dispostos a ir. E o tempo todo a nossa equipe discutindo conosco, trazendo sua bagagem e experiência pra somar. Então tínhamos um plano A: parir em casa. E dois planos Bs: se eu precisasse de uma indução, ela seria num hospital particular com a minha médica e parteira junto. Se eu precisasse de uma remoção seria para o HU. Pude ter uma conversa bem franca com a nossa médica e ela ficou também de nos direcionar qual melhor hospital dependendo de cada caso e analisando todos os fatores: cesariana anterior, despesas todas pagas em particular , minha vontade de ter um parto normal.

Essa conversa foi na minha consulta de 39 semanas, no final da gestação as consultas são semanais. Depois dessa conversa eu contei pra algumas amigas e disse ainda : agora sim, tá tudo claro.
Posso parir!

Parte 3

39 semanas e 3 dias, saímos pra jantar eu e o Vitor. Na saída começaram algumas contrações , nada demais ainda. Eu olhei pra ele e disse: eu acho que a Serena gosta de sair de casa pq sempre que a gente sai rola umas contrações. Jantamos, tudo certo, viemos pra casa, dormi. No meio da noite eu acordo com uma contração forte, sinto um líquido escorrer e pulo pra fora da cama. Uma poça se forma entre as minhas pernas. “Vítor , acorda ! Rompeu a bolsa” , ligamos pra parteira, ela recomendou descansar. Se engrenasse era só ligar pra elas, se não amanhã logo de manhã ela estaria aqui em casa.
Dormi quase à noite toda, senti algumas poucas contrações, acordei preocupada eu sabia o que aquilo significava: bolsa rota fora de trabalho de parto. Era uma ampulheta, o tempo correndo pro bebê nascer.
Na segunda de manhã a Mayra veio me avaliar, confirmou a bolsa rota, passou os cuidados e nos orientou a descansar e estimular o trabalho de parto no fim do dia, quando ela voltaria para avaliar eu e a Serena.
Fiquei muito nervosa, porque eu não queria que as coisas se repetissem. Eu não queria um monte de gente ao meu redor ansioso esperando por uma contração. Então como boa canceriana tava na hora de entrar na minha carapaça. Acionei 3 amigas e rolou uma corrente linda pra ficar com o Davi. Lugares onde ele já se sente bem, amado e ele foi feliz. Agradeci minha mãe e pedi pra ela ir pra casa (por coincidência ela estava aqui) e que eu chamasse quando fosse a hora.
Dormi a tarde toda, quando acordei fiz acumpuntura pra estimular, caminhei, tomei chá. Fiquei bem ativa, até ali eu não me permiti desanimar. Toda a equipe me deixou bem calma que eu estava sendo monitorada e que elas iriam esperar.
Na noite de segunda (25/02) a parteira veio de novo, examinou meu colo. Estava bem posterior, ela tinha dificuldade até em chegar nele. Nessa hora foi a hora de conversarmos sobre quando iríamos pro hospital fazer uma indução. Combinamos de fazer um ultrassom na terça de manhã pra ver a quantidade de líquido e um cardiotoco pra saber como estava a Serena. Depois disso iríamos estimular o trabalho de parto em casa e nosso limite seria quarta pela manhã.

Parte 4

Chorei muito! Porque tudo que eu não queria era passar por uma indução hospitalar de novo. Mas a indução ainda sim era minha chance de um parto normal, então resolvi aceitar isso, aceitar o que viesse.
Dormimos à noite toda, de manhã ela veio nos avaliar de novo. Tudo ótimo comigo e com a Serena. E depois fomos para o centro fazer os exames. Chegamos na clínica, tudo ótimo! A médica do ultra nem desconfiou que a bolsa tinha rompido e disse: tá ótimo pra esperar até 41 semanas pelo menos!! Eu olhei pro Vitor e a gente controlou a risada.
Fomos almoçar andando a pé o centro inteiro e as contrações timidamente chegando. Almoçamos no vão central do mercado público, tava tocando uma música ao vivo, foi tão bom!
Saindo dali foco total em fazer esse TP engrenar, contrações de 6 em 6 desde as 13:00. Mandei mensagem pra mais uma amiga, pedi pra ela me colocar em suas orações. Ela montou um altar lindo pra nós duas.
Chegamos em casa eu tinha uma hora até a acumpuntura, peguei uma playlist furacão 2000 e dancei muito! Foi o funk que chamou a Serê. Depois da acumpuntura saímos pra caminhar 19:00 e continuavam ritmadas as contrações.
As 20:00 a Mayra chega de novo na nossa casa pra avaliar: o colo tinha trabalhado, bom sinal. Ela conseguiu estimular o colo e as contrações ficaram mais fortes e mais próximas, de 4 em 4. Ela quase não quis ir embora mas tudo que eu queria era ficar sozinha com o Vitor no nosso cantinho. Jantamos, montamos um acampamento na sala, disse pro Vitor dormir que eu ficaria sozinha até onde eu aguentasse.
Fui mentalizando e indo a cada contração eu comemorava. Pensava em todo mundo que tava mandando energia pra mim. E foi assim até uma da manhã. Aí eu não aguentava mais sozinha. Chamei o Vitor pra me ajudar a fazer massagem e entre as contrações eu conseguia cochilar um pouco. Numa dessas eu acordo: friiiio muito frio. Me enrolei num edredom, aí a ficha caiu. Tem algo errado! To com febre ! Liga pra Mayra. Isso eram 2:30 da manhã de quarta feira.
Ela já adiantou o assunto pelo telefone: com febre não dava pra ficar em casa era pra arrumar as malas que ela estava vindo mas com certeza iríamos pro hospital.

Parte 5

Ela chegou aqui em casa ouviu os batimentos da Serena, tudo certo com ela. Agora tínhamos que decidir qual hospital ir porque iríamos ainda pra uma indução (nesse caso o plano era o hospital particular ) mas com a indicação de infecção pela febre o mais seguro seria o HU porque teriam melhor estrutura caso eu ou a Serena precisássemos de UTI.
Foi muito difícil decidir, eu queria ir pro hospital particular, eu queria estar com a minha equipe mas ao mesmo tempo a palavra UTI te deixa com medo. A equipe foi firme na posição, mais seguro era o HU. Então fomos pra lá, nossa que viagem! Fui chorando no banco de trás do carro, eu tava com muito medo e bem não é nada agradável andar de 4 no carro durante o trabalho de parto. Meu deus que dor! Chegamos no hospital passamos pela triagem e ficamos ali esperando o médico. Foi horrível! Chegar no hospital e estar lá foi muito muito ruim, eu não tinha onde ficar direito, vinham as contrações e eu não tinha muito como me ajeitar. Demoraram bastante pra chamar a gente e eu só não queria estar ali.
Já era quase de manhã quando me chamaram pra avaliar, coletar exames e finalmente dar a minha entrada, mas o hospital estava cheio! Meu deus que novela, eu chorava muito, duvidei se não era melhor ir embora pra clínica. Me fizeram colocar a camisola do hospital e me deixaram ali no corredor, eu me senti muito muito vulnerável, invadida , com aquela roupa que é quase nada o líquido da bolsa escorria a cada contração, era muito desconfortável. Fiquei ali chorando, achei um canto e me enfiei, parecia um bicho acuado. Só pensava em ir embora dali. Passou um tempo, finalmente o Vitor chegou me arrumaram um quarto e chegou quem seria nossa doula, a Marcela. Isso deveria ser umas 8 ou 9 da manhã já! Me avaliaram, 3 cm.
Com a ajuda da Marcela mesmo as contrações mais intensas era mais fácil suportar. Pensa numa gestante que deu trabalho! Eu me abraçava nela, que dor!
Fui pro chuveiro, voltei pro quarto. Olhava ao redor e não queria estar ali, eu só queria sair dali. O tempo todo eu lembrava da minha mãe e de como ela contava que ficou sozinha e sem nada no meu nascimento. Eu resistia a repetir a mesma história.

Parte 6

Eu podia sair dali. E eu repetia, não quero ficar aqui, quero ir embora.
Coloquei pra mim que esperaria o resultado dos exames, depois que saíssem eu ia fazer alguma coisa.
Fiquei ali, no chuveiro e as contrações vindo.
Logo depois vieram avisar o resultado do meu exame, meu número de leucócitos estava bem alto, o que realmente significava uma infecção. Essa foi a última vez que eu quis ir embora. Eu entendi que precisava ficar ali, que eu precisava dessa segurança pra nós duas.
Repetia na minha cabeça “eu aceito” pra ver se aquilo entrava. Com o resultado do exame tive que colocar o acesso venoso pra passar o antibiótico e também iniciei a ocitocina, com esse diagnóstico não dava pra esperar muito mais a Serena nascer.
Entrei num outro lugar dentro de mim, dizem que a gente vira bicho pra parir, e é verdade. Nesse lugar eu não via hospital, não via nada. Só via meus medos que não tem como nessa hora a gente tem que encarar. O Vitor e a Marcela incansáveis a cada contração (que com a ocitocina aumentando de meia em meia hora ficavam cada vez mais insuportáveis).
Eu sei que eu falava mil coisas, nem sei mais o que , sei que eu gritava, urrava de dor. Aquilo doi na alma! Mas vai transformando a gente, de repente eu só conseguia sentir grata. Eu queria tanto parir, eu tava ali, eu queria tanto conhecer esse lugar, saber aquelas coisas escondidas sobre mim, elas estavam ali na minha cara. Eu tava feliz, eu estava em trabalho de parto, 6 anos esperando por estar ali, 3 dias fazendo de tudo pra que ele acontecesse. E agora era a minha realidade, mas meu deus como eu queria que acabasse.
14:30 (mais ou menos, o tempo nessa hora já era outro) vieram me avaliar. No que fizeram o exame de toque, olhei no rosto do enfermeiro. Eu sabia aquele olhar , era igual o da parteira aqui em casa, sofrendo pra achar o colo.
Ele tinha ficado posterior de novo! Nossa que frustração, pelo andar da dor eu esperava pelo menos estar na metade do caminho. Ele me explicou sobre o colo e eu disse: deu pra mim. Não aguento mais.
Ele confirmou que achava que era hora de intervir porque faltava bastante pra abrir e descer e eu não tinha todo esse tempo.

final 🙂

Tínhamos mais do que tudo nos preocupar com a infecção e eles não iriam me deixar mais muito tempo ali, como tava num nível de dor muito alto EU ESCOLHI que era hora de parar. E nessa hora eu entendi que mais uma cura se realizava. Eu nao fui em nenhum momento coadjuvante nessa história, eu estava o tempo todo ali, fazendo as escolhas. Dentro das circunstâncias mas tão informada, tão segura e firme. Eu sai daquele quarto pra cirurgia com uma postura totalmente diferente não me vi vítima de nenhuma circunstância e sim que eu fiz muito e fui muito muito longe.
Que eu tive todas as chances e fui até o limite não pela dor, mas o limite pra nós naquelas condições e se eu tivesse fora do HU esse limite seria menor e talvez eu não tivesse tido tempo pra acessar esse lugar em mim.
A cirurgia em si não foi fácil, segundo a médica eu tinha muita aderência nos tecidos da cesárea anterior e provavelmente por isso não estava acontecendo, foi uma cesárea longa. Mas eu tava tão centrada em mim e em tudo que não tive espaço pra ter mais medo de nada. E nasceu a Serena e ver um filho pela primeira vez na vida é a coisa mais emocionante que a gente pode viver. Trouxeram ela pra mim ficamos juntas um tempo e depois a levaram e o Vitor foi junto e ainda demorou um bom tanto pra eu sair da sala.
E na recuperação foi a nossa virada! Um bebê nascido na sua hora e a Marcela já tava ali pronta me esperando. Serena pegou meu peito e mamou, com uma pega linda digna de livro. Coisa de quem já nasceu pronta pra fazer isso. E ficamos ali e ela mamou todo tempo que eu fiquei ate ir pro quarto. E assim termina e começa uma nova história na vida da gente, que jamais vai ser a mesma de novo. Mas que vai ser muito incrível eu tenho certeza ❤️