“Dia 20 de junho, consulta de rotina. Batendo na porta as 38 semanas de gestação. Tudo certo, bcf da Maria Flor ok, eu me sentindo super bem, ansiedade zero porque esperava por ela lá por volta das 41 semanas (essa era minha expectativa). Comento com o Pablo sobre a lua cheia e ele diz que acha que ainda não. Flor tá bem alta ainda. Final do dia falo com minha mãe que também me questiona sobre a lua cheia, conto sobre a consulta, conversamos um pouco sobre a vinda dela pra Floripa pra acompanhar o parto, damos algumas risadas e então desejamos uma boa noite uma pra outra. Estamos na segunda-feira, mamis chega no sábado.
Chico e eu finalizamos algumas coisas, as últimas que faltavam e vamos dormir. Sinto uns movimentos bem intensos da Maria Flor, desconfortáveis, até dói. Mas logo ela se acalma e eu durmo. Eis que, às 2h30 da manhã sinto como se tivesse feito xixi na cama, pensei que fosse algum escape mesmo. Levantei pra ir no banheiro e mais líquido saindo, bastante. Bolsa rota, não tive dúvidas. “Chiiiico!”, grito eu do banheiro. Aparece ele na porta todo desajustado, cara de sono. “Acho que nosso bebê quer nascer, a bolsa rompeu”. A cara dele foi impagável. “E agora? O que a gente faz?”, ele me pergunta. “Nada! Não tô em trabalho de parto, vou avisar a Camilla e mandar uma mensagem pro Pablo e a gente vai dormir”.
Confesso aqui que esse era um dos meus maiores temores, romper a bolsa fora de trabalho de parto. Logo em seguida comecei a sentir uma cólica muitíssimo leve e fiquei mais sossegada, na certeza de que o trabalho de parto viria. Fomos deitar, a ansiedade não me deixou dormir, as cólicas aumentaram um pouco e eu segurava na respiração. Chico dormiu. Levantamos 7h da manhã e já entendemos que ele não iria trabalhar porque o bicho ia pegar em breve. Tomamos um café da manhã, Chico foi no mercado e eu dei uma relaxada no sofá.
Dia chuvoso e frio, solstício de inverno. Acendemos umas velas e ficamos no sofá. As contrações estabelecendo ritmo e ficando dolorosas. Lá pelas 10h da manhã senti começar a apertar, Chico fez rebozo por um tempo e aí decidi me movimentar. Avisei a Camilla (agora uma pausa pra apresentação: Camilla é minha parceira, uma amiga maravilhosa por quem tenho um enorme respeito e admiração, EO e doula, cuidou de mim com muito amor na gestação, minha doula não seria outra, só poderia ser ela ), disse pra ela almoçar e vir lá por 13h30 que tava de boa, aumentando aos poucos. Caminhei pela sala e as contrações foram se intensificando bastante.
Resolvi subir e ficar no quarto da Flor, silêncio e escuro, só a playlist que escolhi. Chico ficou fazendo almoço e preparando o que precisava ser preparado, piscina no nosso quarto, comidinhas pra equipe. Ca e eu ficamos em contato até que pelas 13h eu escrevi “vem agora!”. Nessa hora tava ficando bem intenso, eu não sabia lidar. Chorei, me debati, quis fugir. Antes das 14h a Ca chegou. Eu tava no chuveiro, debruçada na bola, com medo… Medo da transição, da vida nova pela frente, da responsabilidade de cuidar de uma cria. Fiquei ali ainda mais um tempo e quis sair. A Ca me secou, me abraçou, me colocou uma meia quentinha e me disse algumas coisas gostosas e ficamos ali, eu achando pauleira e tendo a certeza de que aquilo iria ainda muito longe.
Maria Flor alta e o pau comendo, uma contração atrás da outra e eu em negação, me contraindo, fugindo de mim mesma. Eu gritava muito nas contrações, chorava… Nesse tempo o Chico me trouxe um prato de comida que não consegui comer, pedi um açaí, dei umas duas colheradas e não foi mais. Me sentia muito nauseada. De repente me dei conta de que a minha tentativa de fugir do meu processo fisiológico não me levaria a lugar algum. Aquilo que eu vinha conversando há anos no Gestar enfim tava acontecendo comigo, eu tava na transição pra maternidade e isso é um tanto quanto assustador. Resolvi que precisava mudar o foco e me entregar, encontrar o meu cantinho dentro de mim pra perder o controle. Fui pro meu quarto, empilhei muitos travesseiros, me debrucei neles e comecei a fazer um movimento de vai e vem, mudei a vocalização, me concentrei naquilo.
O Chico começou a me fazer massagem, a Ca nos deixou ali, sozinhos. Foi nesse vai e vem que encontrei meu cantinho. Fortaleci um mantra que eu vinha entoando mentalmente e por vezes até verbalizava: “eu aceito, eu entrego e eu confio”. Um tempo passou e, enfim, partolândia, seja bem vinda! A partolândia é esse lugar de descontrole, um transe muito louco pra gente parir, um lugar onde a gente se perde e é um delícia de visitar. Transe mesmo, chapaceira, estado alterado de consciência, viagem, como preferir.
A partir daí não tenho mais muito clara a sequência das coisas. A piscina tava sendo preparada, o quarto totalmente escuro, velas, tava tudo bem quentinho e eu ali, viajando nas ondas hormonais do parto. A minha sensação foi que fiquei umas duas horas nesse vai e vem na cama. Mas não, não foi nada disso. De repente precisei fazer xixi e quando voltei tinha uma piscina quentinha pronta, que me pareceu uma boa ideia. Eu, que nunca criei expectativa alguma com relação a parir na água, que cogitei nem comprar a piscina, mas fui convencida pelo Pablo de que seria interessante ter o recurso disponível, entrei na água e minha deusa! Não sairia dali nem com um guindaste.
Que coisa mais deliciosa! Não abri mais os olhos, não queria que ninguém tocasse em mim e nem falasse nada. Um detalhe que entre essa de chuveiro, cama e piscina, em algum momento a Ca me perguntou se eu queria que chamasse o Pablo e eu disse que sim. Nem que fosse pra ele me avaliar e ir embora, mas eu quis a presença dele. Bom, mais um parêntese aqui pra apresentações. O Pablo foi meu GO, não teria igualmente escolhido outra pessoa. Ao longo da minha jornada como doula nos conhecemos, trabalhamos juntos e nos tornamos amigos, aprendi a respeitar muito o profissional que ele é, um GO-parteiro-fotógrafo-video maker porreta, que respeitou todas minhas escolhas e, não menos importante, seus próprios limites.
Eu tinha certeza de que estaria em ótimas mãos e que não seria tratada com desrespeito ou como não quisesse ser tratada em momento algum com a equipe que escolhi. Eles me deixaram plenamente segura, tudo o que eu precisava caso houvesse alguma intercorrência. Pablo chegou, segundo me foi relatado (essas alturas já não sabia nem quem eu era), por volta das 15h. Assim que ele sentou na minha frente, veio o primeiro puxo. Tudo ok com a Maria Flor, bcf massa. Passou um tempinho e então o Pablo sugeriu um exame de toque (o primeiro e único de toda a gestação) pra ver a quantas andava a Florzinha, afinal, na tarde anterior ela tava lá na casa do chapéu, nas alturas, e os puxos tavam vindo involuntariamente. Dessa hora eu lembro, foi engraçado. O Pablo fez o toque muito rapidamente, olhou pra Camilla e pra mim e riu, um riso que já conheço. Sacamos eu e Ca que Maria tava nascendo.
Eu já sabia, eu sentia que tava na hora. Mas o Chico não. Tadinho, ele ficou meio perdido até que o Pablo disse que ela tava ali. Nessa hora eu coloquei a mão pra sentir ela, toquei a cabecinha e disse “ela é carequinha”. Esse momento vai ficar guardado pra sempre na minha memória. Se fecho os olhos eu sinto de novo essa cena. Pablo sugeriu que eu ficasse de cócoras na água, me pareceu a coisa mais absurda do mundo, eu tava estagnada numa posição e parecia impossível me mexer.
A dor pra mim era nas cristas ilíacas, parecia que iam arrebentar. Forte! Bem forte! Mas mais um parêntese aqui. A dor do parto nunca me amedrontou. Sabia que eu passaria por ela e imaginei a dor mais absurda que eu poderia sentir. E assim foi, uma dor absurda. Eu agarrei na mão dela – da dor – e fomos juntas buscar a Maria. Sem ela não seria possível, fomos uma dupla, parceiras infalíveis. Buena, foi então que busquei forças nas entranhas do meu eu bicho – porque a essas alturas eu era bicho, totalmente entregue, aberta, mamífera -, agarrei na mão do Pablo e do Chico e fiquei de cócoras dentro da piscina.
Um último parêntese: Chico, meu companheiro, o papai da Maria Flor, dispensa apresentações. É meu amigo, meu parceiro, meu amor… foi a mão que eu precisava. Ficou calmo o tempo todo. Construímos juntos esse caminho, na base de muita conversa, muita informação, muito companheirismo e muitíssimo amor. Parto domiciliar planejado pra mim tem que ser assim, todo mundo feliz e seguro com a escolha. E assim foi. Ok! Voltando, agarrei aqui, agarrei ali, uma contração e saiu a cabecinha, mais uma forcinha e nasceu minha peixinha. 15h59min. Fui eu que pesquei sozinha. Maria Flor foi amparada por mim e somente por mim, exatamente como eu havia sonhado caso tudo tivesse bem. Peguei ela e a trouxe pro meu colo, meu peito. Nasceu na água, no nosso quarto. Que momento!!! Olhei pra ela, contei os dedinhos, sussurrei o meu amor por ela e a beijei. Beijei incansavelmente.
Chico entrou na piscina e ficamos ali, namorando nossa bruxinha, essa canceriana observadora, nascida no 21 de junho, solstício de inverno, lua cheia. 38 semanas de gestação cravadas. Apgar 9 e 10, 49cm, 3,190kg. Linda! Com os pulmões a pleno vapor, chorou forte pra anunciar sua chegada. Ficamos ali até que comecei a sentir cólicas e quis sair pra nascer a placenta, essa maravilha, a árvore da vida. Placenta nasceu uns 20 minutos depois, Flor no meu peito, Chico cortou o cordão e eu liguei pra minha mãe: “Mãe! Tua neta não quis te esperar. Nasceu a Maria Flor”.”